Após
concluir o ensino secundário, Robert Zimmermann ruma a Mineápolis para estudar
na universidade. Foi em Mineápolis que Zimmermann entrou pela primeira vez em
contacto com a cena folk e literária da época, e também, quando se começou a
apresentar como Bob Dylan. “Não tinha tempo para estudar” diz Dylan no seu
documentário No Direction Home, decidindo rumar a Nova Iorque em janeiro de
1961, onde viria a absorver o máximo de coisas possíveis, misturá-las, e, no
fim, criar a sua própria identidade e estilo musical e literário. Tudo isto vai
contribuir para que Dylan crie obras musicais com uma escrita de incrível poder
literário. Dylan chegou a Nova Iorque fortemente influenciado pelos livros On the Road de Jack Kerouac e Bound For Glory, escrito pelo seu ídolo
Woody Guthrie. Dylan começou a ler poemas de Verlaine e Rimbaud, conheceu e
tornou-se amigo pessoal do poeta Allen Ginsberg. Dylan aliou a sua capacidade
criativa à poesia, o que resultou em lírica merecedora de objecto de estudo
literário.
Talvez
os tempos estejam mesmo a mudar, talvez possamos comparar as canções de Dylan
às obras de Homero e Safo, que, tal como o músico, escreveram textos poéticos
destinados a ser interpretados a maior parte
das vezes com acompanhamento de instrumentos. Dylan moldou a poesia às letras de uma canção, sendo que estas podem
também sobreviver desligadas do seu contexto musical. Com esta afirmação não
queremos dizer que Bob Dylan não é um grande compositor, mas sim, que elevou o
conceito de compositor musical a um novo nível de exigência. Para confirmar que os seus poemas
sobrevivem sem notas musicais, olhemos para a letra da música “Masters of War”, “You that build the big guns/ You that
build the death planes/ You that build
all the bombs/ You that hide behind walls/ You that hide behind desks/ I just
want you to know/ I can see through your masks”. Neste poema encontramos raiva,
angústia, ira. Tudo isto sentimentos que Bob Dylan transmite apenas através da
sua leitura sem qualquer tipo de música a acompanhar. Além disto, podemos
encontrar recursos estilísticos como a anáfora da expressão “You that”, próprios
da literatura. Por outro lado, as
canções, nas quais estão incluídos os poemas, são extremamente interventivas e
convidam o leitor/ouvinte a pensar sobre os problemas que o mundo vive. Tentam
transmitir algo, ajudam a uma consciencialização dos conflitos humanos, defendem os ideais humanitários e a liberdade de
pensamento.
Apesar
de não existirem princípios lógicos definidos para a atribuição do prémio, a
Academia Sueca justifica a escolha dizendo que Bob Dylan ganhou ‘por ter criado
novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical americana.’
É
impossível negar o impacto que artistas e escritores musicais como Dylan têm
sobre o seu público, no âmbito da tradição musical americana. A verdade é que
as músicas de Bob Dylan celebram outras formas de criação literária mais
contemporânea, consumidas por uma fatia significativa da população dita
Ocidental.No mundo das tecnologias de informação, as sociedades são muito mais
permeáveis às criações musicais, fortemente difundidas pela rádio, televisão e
internet. Apesar das obras de Saramago ou García Márquez se enquadrarem nos
cânones literários convencionais, a verdade é que existe maior probabilidade de
ouvir uma música de Bob Dylan na rádio ou em qualquer conteúdo online do que um
excerto de O Memorial do Convento. No
fundo, talvez a Academia Sueca se esteja a ajustar aos novos tempos, assim como
aos novos produtos de massas, que, podendo ou não agradar a especialistas
literários, são sem dúvida obras que moldam e caracterizam o mundo globalizado
de hoje.
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