Bob Dylan não
merece o Nobel da literatura. Defendendo isto, gostaríamos de deixar claro que
não nos interessa atacar a obra de Bob Dylan – um dos mais influentes músicos
norte-americanos, que é ouvido (e não lido) por todo o mundo, que foi
fortemente influenciado pela cultura popular americana – da música de Woody
Guthrie à literatura de John Steinbeck. No entanto, ser um músico importante,
ser conhecido no mundo inteiro e ter-se inspirado na música de Guthrie (que ele
não reproduz) ou nos livros de Steinbeck (que, apesar das influências, terá uma
prosa bastante diferente das letras das canções de Dylan), não são argumentos
que façam dele sequer um candidato meritório de receber o prémio Nobel.
Primeiro,
gostaríamos de fazer notar o óbvio: o Nobel da literatura destina-se à
literatura e não à música. Bob Dylan é, acima de tudo, músico, podendo ser
escritor – mas é um escritor de canções, um escritor para as suas canções. A
simples separação das suas letras da sua música cria dois objectos amputados.
Sobreviverá a sua escrita à falta de música, à falta das suas composições, da
sua guitarra e harmónica, à falta da sua voz tão característica? E,
sobrevivendo, será o suficiente para ser galardoado com um dos principais e o
mais mediático prémio da literatura? E fará sentido premiar alguém que já é tão
mediático e conhecido pelo mundo fora?
Existem,
felizmente, muitos escritores no mundo absolutamente meritórios de receber o
prémio Nobel. A dificuldade é escolher um a cada ano que passa. Entretanto, a
Academia tem escolhido, muitas vezes, homens brancos ocidentais para serem
galardoados com o Nobel. Se a ideia seria a atribuição a alguém diferente, que
não encaixa neste padrão, muitos escritores e escritoras poderiam ter sido
galardoados, como o escritor sírio Adonis ou o queniano Ngugi wa Thiong’o.
É verdade que,
em 2015, o prémio foi atribuído a uma jornalista ucraniana, Svetlana Alexievich,
que não escreve obras de ficção. Foi já uma mudança significativa que parece
ter continuidade no prémio deste ano, onde, em ambos os casos, parece existir
uma preferência pelo conteúdo e um desprezo pela forma, deixando o jornalismo e
a música de lado, retalhando a obra de Alexievich e de Dylab. Por outro lado,
ao escolher o jornalismo e a música, duas áreas que têm sucesso e que são
facilmente acessíveis, a Academia parece estar a dizer – e a transformar – a
literatura num produto de massas.
A verdade é que
Bob Dylan também não parece particularmente interessado neste prémio. Apenas um
mês após o anúncio da Academia Sueca é que Bob Dylan se pronunciou timidamente
sobre o assunto. E só muito tempo depois informou que não iria participar na
cerimónia de atribuição do prémio por ter «outros compromissos». Se ao próprio
Dylan não parece interessar o prémio, não
se dando sequer ao trabalho de justificar a sua falta de interesse – ao
contrário do que fez, por exemplo, Jean-Paul Sartre ao recusar o prémio por motivos
ideológicos –, fará sentido a sua atribuição? Nós julgamos que não.
Por fim, mesmo
que seja justificada a mudança de ideia de literatura proposta pela Academia,
não existirão outros músicos mais merecedores, por serem melhores escritores de
letras, do que Bob Dylan? Exemplo disso teriam sido Leonard Cohen, entretanto
falecido, ou Chico Buarque de Hollanda, ambos letristas, mas também escritores,
com uma vasta obra literária publicada.
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