quarta-feira, 9 de abril de 2014

Filipe Melo e a Pop Americana

Cresci nos anos 80 na parte nova de Benfica, um arrabalde para onde se mudaram muitas famílias nos anos 60. Muitos dos prédios, segundo sei, não tinham sequer direito a arquitectos, eram desenhados por engenheiros que pediam depois aos gabinetes de arquitectura uma assinatura para que o projecto fosse aprovado. Estes edifícios, tão organizados como cinzentos, eram coloridos pela cultura "pop" que importávamos dos Estados Unidos. É muito importante conhecer o contexto em que passei a minha infância. Estávamos no fim da Guerra Fria. Ouvia falar na Perestroika sem saber muito bem do que se tratava, e, nas notícias e nos jornais, no braço de ferro entre Reagan e Gorbatchev, na ameaça constante de uma guerra nuclear ou no mega-vilão Gaddafi que nos destruiria com um mero premir de um botão. Esta ameaça existia e metia-nos medo.

Porém, nada disso me interessava verdadeiramente. Era uma criança. A América que eu queria estava nos videoclubes. Verdade seja dita,  não sabia distinguir a cultura americana da nossa. Todos queríamos ser americanos. No meu armário, as t-shirts do Michael Jackson. Na parede, um poster do E.T e outro da Madonna. Nas ruas e nos programas da tarde, a competição feroz para ver quem melhor dançava breakdance. No entanto, a Guerra Fria estava presente nos grandes écrãs. Se o americano Rocky Balboa lutava contra o russo Ivan Drago, a mensagem política não podia ser mais clara - o Rocky teria de ganhar porque os russos eram maus. Lembro-me do dia em que a pequena sala de cinema no Fonte Nova aplaudiu de pé a vitória de Rocky contra o "mau". Estes filmes serviam para nos entreter, mas aproveitavam para nos educar desde cedo de quem eram os bons e os maus. Lembro-me que, já a entrar na adolescência, quando os gringos e os soviéticos finalmente lá se começaram a entender,  dei por mim a torcer por um russo pela primeira vez no filme Red Dawn (1984), que era interpretado por Arnold Schwarzenegger e que tinha como amigo um americano, o James Belushi.

 A canção Born in the USA tornou-se um hino. Sentíamos sempre um misto de inveja e de um complexo de inferioridade perante aquela que era a maior potência bélica e cultural do mundo. No entanto, nenhum de nós percebia que havia uma lavagem cerebral subliminar, porque, no meio desta propaganda, contavam-se algumas das melhores histórias e algumas das mais originais narrativas que, até ao dia de hoje, continuam a marcar o nosso imaginário colectivo. E, se muitas delas eram a favor do governo americano e o protegiam, muitas outras atacaram-no com unhas e dentes. O poder das grandes corporações americanas era atacado em filmes como Total Recall (1990) ou Robocop (1987). O consumismo e a apatia eram criticados em filmes como Dawn of the Dead (1978) e o perigo da tecnologia desenfreada era um dos alvos de Terminator (1984) ou de War Games (1983) .

 A gigante indústria de comics e dos filmes, em Hollywood, fez com que a nossa própria imaginação levantasse voo. Os bonecos do Star Wars (1977) foram a minha companhia enquanto brincava, e, nos pinhais de Tondela, nas férias, os galhos das árvores eram os sabre-luz dos cavaleiros jedi. Devido ao crescimento e desenvolvimento desta indústria, melhoraram também as histórias, os argumentos e as tecnologias dos filmes. A América exportava os livros, os filmes e a música que consumíamos, e nós adorávamos. Somos do tempo em que havia telediscos, e não videoclips, em que as salas tinham projecção em 70mm. Foram tempos mágicos, e era para mim um motivo de orgulho saber quem eram os actores, os músicos e os técnicos responsáveis por essas obras de arte.

 Muitos anos mais tarde, ao entrar na faculdade, apaixonei-me por aquela que considero ser a melhor coisa que originou esse país. O jazz. Este género de música, que nasceu do sofrimento dos escravos, foi ganhando um papel cada vez mais importante na minha vida. Foi por causa dele que um dia fiz as malas e rumei ao país que tanto me inspirara - a América, com todos os seus defeitos e virtudes.

 Cheguei a Boston no dia em que morreu a princesa Diana. Completamente focado na música, vi-me rodeado de fontes de inspiração. Concertos, jam sessions e palestras de muitos dos meus heróis musicais de infância. No entanto, o meu passado voltava para me assombrar - ao terminar o dia de estudo na música, descobri a secção Midnight Movies na defunta Tower Records. Os meus dias tornaram-me mais interessantes: naquela secção, descobri os filmes americanos que não chegavam a Portugal - filmes de zombies, de mulheres na prisão, de gore gratuito. Filmes feitos por paixão e só por paixão, sem concessões à indústria ou à política. Filmes feitos por guerreiros cinematográficos, que se viam marginalizados naquela pequena secção do videoclube.

 Foi também nesses sítios que, numa mistura de puro gozo e investigação, mergulhei no universo dos standards, dos temas do cancioneiro americano, e no repertório gigante de filmes musicais da RKO e da MGM, desde os irmãos Marx ao Fred Astaire.

 Ao regressar a Portugal, quatro anos depois, senti a responsabilidade de começar a fazer coisas. Mais do que responsabilidade, sentia uma enorme ansiedade por contar histórias, influenciadas por aquelas que me acompanharam por tantos anos. Desde esse dia, tento usar as ferramentas que conheço, assumindo aquilo que sou: uma gigante mistela de influências. A cultura pop americana teve um impacto tremendo naquilo que sou. Não o poderia evitar. Está-me no sangue e cresci com ela, foi a minha companhia e a minha melhor amiga, ao ponto de ter percebido em Boston que nós, no nosso cantinho à beira-mar, conhecemos melhor a cultura pop americana do que a maioria dos meus colegas de universidade que lá tinham nascido.

 Com os anos, percebemos que há algumas coisas que, pela velocidade a que se movem, não poderiam ser feitas por americanos. Ao estarem isolados da sua cultura frenética, os países de leste desenvolveram a sua forma muito peculiar de ver o mundo e a ficção científica, oferecendo-nos pérolas como Solaris ou Stalker. Só mais tarde, e com o declínio do grandioso império americano na opinião pública, começámos a ver que existem mais coisas. Que, apesar de sermos um país pobre e de recursos limitados na concretização de projectos, não somos pobres em ideias. E, cada dia mais, tentamos apreciar a nossa própria herança cultural, em qualquer formato que seja.

Até ao dia de hoje, o meu próprio trabalho era um reflexo às fontes de inspiração que tive. Os filmes, as músicas, os livros de banda desenhada. É o que faço. Cada dia mais, no entanto, tento afastar-me de tudo isso, porque só assim poderei fazer algo que não seja um parente pobre das gigantes produções que eram o resultado de uma indústria tão grande como o país que a gerou.


 Cabe-nos a nós, agora, passadas algumas décadas, a análise crítica desse período fascinante e glorioso da cultura pop americana. Como referi acima, as histórias que foram contadas foram intemporais ao ponto de, hoje em dia, se investir mais em remakes ou reboots das criações mirabolantes do passado. A indústria americana está em queda criativa: exceptuando alguns visionários, a norma é um gigante micro-ondas criativo onde se vão aquecer as grandes ideias do passado recente.

(mais sobre filipe melo aqui)

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Sunset Boulevard - trabalho criativo de Ricardo Rodrigues

It’s amazing what people will do for money, or status, but mainly money.
Take me, for instance. An average man in his thirties, average looking, not athletic nor out of shape, with no skills or qualifications that make him stand out from the rest of the herd. What could I have ever done to satiate my hunger for a superior lifestyle, to indulge in my proclivities for fast cars, high-end tailored suits and houses with spacious quarters and outdoor pools? I did what every person whose desperation rendered him/her devoid of any values and morals whatsoever would have done: at the sight of an ajar opening, I schemed and made sure every step of that plan went as smoothly as it possibly could.
The opportunity laying behind a washed up Hollywood actress who suddenly takes up an interest in you and sees qualities in you that even your parents have failed to do so for twenty-something years entails many things, and you have to be willing to make certain trade offs.
Like anything in this world, the chips you have to offer are just that, a currency. Exchange your ephemeral relationships with twenty year old bimbos for a Porsche, your old circle of friends for a gamut of the most exquisite perfumes money can buy, your pride and sense of self-respect for a reasonably sized pool and a private tennis court.
Good thing I tried to earn a few bucks working as a script writer, otherwise the cliché of a plan never unfolding as originally devised would have taken me by surprise at a rather critical moment.
You see, there is a reason why washed up artists are a breed usually kept at a distance, and that same reason is, in all likelihood, why they became washed to begin with. My newly found better half’s mental instability coalesced with an overwhelming sense of greatness and self-importance made her jealousy fits nothing to be sneezed at, and the revolver she kept in her night drawer had already taken several hours of sleep from me.
To tell you the truth, part of my doing was also fuelled by how much I missed former aspects of my life, only this time there would be no trade offs of any kind as I now had newly acquired tastes and habits I wasn’t inclined to relinquish.
So I went back to scheming. I turned the tables and used my wife’s aforementioned mental instability in my favour.
Spending an entire night blatantly glaring at other – younger – women, I then decided to call one of my old female friends and made certain that eavesdropping on our conversation would have been fairly easy. With the ball now on her side of the field, she played her role as expected.
I guess luck had its part on it as well, seeing as the third bullet held in her revolver was not a blank, and the coroner luckily wasn’t acquainted with drugs that temporarily simulate death.
With the money I had gradually drained off of her account on a weekly basis and was now safely stashed away, I had joined the best of both worlds and was on my way to a carefree, ostentatious lifestyle. God if you had seen the face of the paramedic when the supposed drowning victim got up, opened the ambulance’s rear door and walked off, that alone would have been worth this whole hassle.
Back when I was coming up with storylines for films and TV shows they called me a hack. Well, how’s this for a Hollywood script?


segunda-feira, 31 de março de 2014

Creative writing - Sunset Boulevard (by Margarita Christoforatou)

The body floating face-down in the mansion's fancy pool created a horrific image, one that would surely prevent those who have witnessed it from swimming in artificial water for a while. I wasn’t one of those people. I’ve seen enough bodies in my line of work to become indifferent to them. The sight stopped affecting me years ago and now I could look at a dead body without any unnecessary emotions disturbing my thought process. I can be very professional and collected in the sight. People die. People kill. It is a fact. It is what it is.

The man’s body was pierced through by three bullets in total, but not a single drop of blood could be traced in the water. This was a clean job, done by someone who knew how to handle a gun, a hitman or a gang member perhaps. My people told me that the mansion belonged to some bigshot, who made his fortune by disputable and mostly illegal means, but somehow always managed to avoid getting arrested. I went to speak with the lady of the house who had found the body in her pool that morning. She was clearly upset, not because she couldn’t swim for the time being, but because the victim was the writer of a movie she was about to star in. This roused my suspicions but I was missing the point. I couldn’t think of any reason why she would have her rich husband kill the writer, especially when he had yet to finish writing the movie. That would leave her without an acting job, wouldn’t it?

I decided that reading the script might give me the insight I needed to solve this case, so I went to the writer’s house. His place was small and messy, with papers strewn all over it. I looked for the script amongst the piles of papers. When I finally found it, I started reading it. It was full of notes and rewritings but after a while two things became apparent: one, this was going to be another B-movie and two, the heroine’s lines were getting fewer and fewer with every correction.


Mystery solved. The husband wanted to scare the writer into giving his girl the protagonist role she wanted with plenty of lines and chances to unfold her “talent”. Somewhere along the way things got out of hand, which is always the case when you give guns to stupid people. The writer was drunk and drew a pistol (which we later found in the mansion´s bushes) and the husband´s lackeys were forced to kill him on the spot. After that, they quickly threw him in the pool and went to get a car in order to properly dispose the body. Apparently, the last thing they expected was the wife coming back earlier than usual and screaming for help upon seeing the body.